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A Suficiência dos Laudos Médicos Particulares para a Isenção de Imposto de Renda: Uma Análise Jurisprudencial da Dispensa de Perícia Oficial

Introdução

A isenção de Imposto de Renda sobre proventos de aposentadoria, reforma e pensão para portadores de doenças graves, instituída pela Lei nº 7.713 de 1988, representa um dos mais importantes instrumentos de política fiscal com finalidade social no ordenamento jurídico brasileiro. O seu objetivo primordial transcende a mera concessão de um benefício tributário; busca-se, em essência, concretizar o princípio da dignidade da pessoa humana, abrandando o impacto financeiro que enfermidades severas impõem aos cidadãos em situação de inatividade.1 Ao reduzir a carga tributária, o Estado visa a preservar um “mínimo existencial”, permitindo que os recursos do contribuinte sejam direcionados aos elevados custos com tratamentos, medicamentos e cuidados contínuos, legitimando um padrão de vida digno diante do estado de enfermidade.1

Contudo, a efetivação desse direito frequentemente encontra um obstáculo de natureza procedimental: o conflito entre a exigência administrativa de um laudo médico oficial para a comprovação da doença e a realidade do contribuinte, que muitas vezes já dispõe de um robusto e detalhado acervo documental emitido por seus médicos assistentes. Essa dissonância entre a formalidade requerida pela autoridade fiscal e a prova material apresentada pelo cidadão tem sido uma fonte recorrente de litígios, levando a questão aos tribunais superiores.

Este relatório demonstrará, por meio de uma análise exaustiva da jurisprudência atual, que o Poder Judiciário, sob a liderança decisiva do Superior Tribunal de Justiça (STJ), consolidou um entendimento que privilegia a substância sobre a forma. A tese prevalecente é a de que o processo judicial não está adstrito às mesmas formalidades impostas à administração tributária. Consequentemente, um conjunto probatório particular, desde que completo, coeso e convincente — especialmente quando composto por múltiplos laudos concordantes —, não apenas é válido, como se revela suficiente para comprovar o direito à isenção, tornando a realização de uma nova perícia, seja ela judicial ou oficial, uma medida desnecessária e protelatória.

Seção 1: A Arquitetura Legal da Isenção de Imposto de Renda por Doença Grave

1.1. Fundamentos Normativos: Uma Análise da Lei nº 7.713/1988

A base legal para a isenção do Imposto de Renda para portadores de moléstias graves está assentada no artigo 6º, inciso XIV, da Lei nº 7.713/1988.1 Este dispositivo isenta os “proventos de aposentadoria ou reforma” percebidos por pessoas físicas acometidas por uma lista específica de enfermidades. A legislação é clara ao estender o benefício mesmo nos casos em que a doença tenha sido contraída após a concessão da aposentadoria ou reforma, garantindo ampla proteção ao beneficiário.2

As doenças que conferem o direito à isenção, conforme as atualizações legislativas, incluem, entre outras: moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna (câncer), cegueira (inclusive monocular), hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget, contaminação por radiação e a síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS).6

1.2. Beneficiários e Rendimentos Abrangidos

A jurisprudência e a própria legislação tributária são rigorosas ao delimitar o alcance do benefício. A isenção incide exclusivamente sobre os rendimentos provenientes de aposentadoria, pensão ou reforma (no caso de militares).6 Isso inclui complementações de aposentadoria recebidas de entidades de previdência complementar (como Fapi ou PGBL) e valores de pensão decorrentes de decisão judicial ou escritura pública.6

É fundamental destacar que rendimentos de outras fontes, como salários de trabalhadores em atividade, ganhos de autônomos ou aluguéis, não são cobertos pela isenção.6 Essa restrição foi objeto de intensa controvérsia judicial, culminando em uma decisão vinculante do Superior Tribunal de Justiça, que reafirmou a impossibilidade de estender o benefício a trabalhadores com doença grave que ainda estejam na ativa.1 Essa delimitação precisa do escopo do direito evidencia uma rigidez na lei que, por sua vez, impulsiona a busca por flexibilidade em outras áreas, como nos meios de prova, para garantir que o propósito da norma seja alcançado para o público-alvo pretendido.

1.3. A Natureza Taxativa do Rol de Doenças: O Precedente Vinculante do Tema 250 do STJ

Uma das questões mais relevantes pacificadas pelo STJ refere-se à interpretação do rol de doenças previsto na Lei nº 7.713/1988. No julgamento do Recurso Especial nº 1.116.620, sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 250), a Corte Superior firmou a tese de que a lista de moléstias é taxativa (numerus clausus), ou seja, restrita, não comportando interpretação extensiva ou analógica para incluir outras enfermidades, ainda que graves.1

O fundamento para essa decisão reside no artigo 111, inciso II, do Código Tributário Nacional (CTN), que determina a interpretação literal da legislação que dispõe sobre a outorga de isenção.5 Segundo o STJ, não cabe ao Poder Judiciário ampliar o alcance da norma isentiva, mesmo que a solução pareça socialmente mais justa, sendo essa uma atribuição do Poder Legislativo.1

Essa aparente inflexibilidade, no entanto, não impede que os tribunais analisem se uma condição específica se enquadra em uma das categorias listadas. Por exemplo, a Doença de Alzheimer, embora não mencionada expressamente na lei, tem sido enquadrada pela jurisprudência como uma forma de “alienação mental”, uma das patologias previstas, o que permite a concessão da isenção sem violar o caráter taxativo do rol.2 Este arcabouço legal, ao mesmo tempo estrito em seus requisitos materiais (rol de doenças e tipo de rendimento), cria o cenário para que o debate judicial se concentre intensamente nos requisitos formais e probatórios, como a necessidade da perícia oficial.

Seção 2: O Laudo Médico Oficial: De Pré-requisito Administrativo a Elemento Probatório Judicial

2.1. O Mandato da Lei nº 9.250/1995: Uma Diretriz para a Autoridade Fiscal

A exigência de um laudo pericial emitido por serviço médico oficial para a comprovação da moléstia grave tem sua origem no artigo 30 da Lei nº 9.250/1995.11 Essa norma foi concebida como um requisito procedimental para a análise e concessão da isenção na esfera administrativa.11 O objetivo era padronizar a avaliação e fornecer à autoridade fiscal (Receita Federal, órgãos previdenciários estaduais e municipais) um documento com presunção de legitimidade para fundamentar sua decisão.11

Assim, para o trâmite administrativo, o laudo oficial funciona como a prova por excelência, um pré-requisito formal para o reconhecimento do direito pelo Fisco. A ausência desse documento na via administrativa é, via de regra, motivo para o indeferimento do pedido.

2.2. A Interpretação do Judiciário: Distinguindo as Esferas Administrativa e Judicial

A virada de chave na matéria ocorreu quando o Poder Judiciário estabeleceu uma distinção fundamental: a exigência contida no artigo 30 da Lei nº 9.250/1995 é uma diretriz voltada à Administração Pública, e não ao magistrado.11 Essa tese jurisprudencial, hoje pacificada, opera uma cisão entre os padrões probatórios exigidos em cada esfera.

Enquanto o agente administrativo pode estar vinculado à formalidade do laudo oficial para garantir a legalidade e a uniformidade de seus atos, o juiz atua sob um regime jurídico distinto, orientado por princípios processuais que lhe conferem maior liberdade na apreciação das provas. Essa interpretação foi crucial, pois evitou que uma regra de procedimento administrativo se transformasse em uma barreira intransponível de acesso à justiça para o contribuinte. O Judiciário, ao se declarar desvinculado dessa exigência formal, abriu caminho para a valoração de todo o conjunto de provas apresentado pelas partes.

2.3. O Princípio do Livre Convencimento Motivado como Pedra Angular da Análise Judicial

O alicerce que sustenta a desnecessidade do laudo oficial na via judicial é o princípio do livre convencimento motivado, também conhecido como persuasão racional, consagrado no artigo 371 do Código de Processo Civil.16 Segundo este princípio, o juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento.11

Isso significa que não há hierarquia preestabelecida entre as provas. O magistrado não está adstrito à conclusão de um laudo pericial, seja ele oficial ou particular, e pode formar sua convicção com base em outros elementos probatórios que julgar pertinentes e convincentes.11 A jurisprudência é farta em afirmar que o juiz é o destinatário final da prova e, como tal, possui a prerrogativa de valorá-la livremente, desde que fundamente sua decisão.11 Essa autonomia judicial é o que permite que laudos particulares, exames e prontuários médicos sejam considerados não apenas válidos, mas plenamente suficientes para comprovar o direito à isenção.

Seção 3: A Posição Definitiva do Superior Tribunal de Justiça: Súmula 598

3.1. Desconstruindo a Súmula 598: “É desnecessária a apresentação de laudo médico oficial…”

A consolidação do entendimento de que o laudo oficial não é um requisito indispensável no processo judicial foi formalizada pelo Superior Tribunal de Justiça por meio da edição da Súmula 598, cujo teor é o seguinte:

“É desnecessária a apresentação de laudo médico oficial para o reconhecimento judicial da isenção do Imposto de Renda, desde que o magistrado entenda suficientemente demonstrada a doença grave por outros meios de prova.” 1

A análise deste enunciado revela dois componentes essenciais. O primeiro é a dispensa da formalidade: a súmula afirma categoricamente que o laudo oficial não é uma condição para a procedência da ação judicial. O segundo é a condição substantiva: essa dispensa está condicionada à convicção do magistrado, formada a partir de “outros meios de prova” que demonstrem a doença de forma “suficiente”. A ênfase, portanto, desloca-se da origem do documento (se oficial ou particular) para a sua qualidade, credibilidade e poder de convencimento.

3.2. Análise dos Precedentes Formadores: O Caminho para a Consolidação

A Súmula 598 não surgiu de forma abrupta, mas foi o resultado de anos de jurisprudência consistente. Em julgados precursores, como o AgRg no AREsp 81.149, o STJ já delineava essa posição, explicando que, embora o laudo pericial oficial seja uma prova importante e merecedora de credibilidade, ele “não tem o condão de vincular o juiz, que, diante das demais provas produzidas nos autos, poderá concluir pela comprovação da moléstia grave”.1

Essa linha de raciocínio se tornou “jurisprudência pacífica” da Corte, aplicada reiteradamente em diversas decisões, o que demonstra uma política judicial deliberada de valorizar a verdade material em detrimento de formalismos excessivos.11 A edição da súmula, portanto, serviu para pacificar o tema em definitivo, conferindo segurança jurídica e orientando todas as instâncias inferiores do Judiciário.

3.3. Definindo a “Prova Suficiente”: O Valor Probatório de Laudos Particulares, Exames e Prontuários

Com a edição da Súmula 598, a questão central para o contribuinte passou a ser: o que os tribunais consideram como “outros meios de prova” suficientes? A prática forense e as decisões judiciais demonstram que um conjunto probatório robusto geralmente inclui:

  • Laudos médicos particulares detalhados: Relatórios emitidos pelos médicos que acompanham o paciente, descrevendo a patologia, o histórico, o tratamento e, fundamentalmente, os elementos que a caracterizam como “grave” nos termos da lei.16
  • Prontuários médicos completos: O histórico clínico do paciente é uma prova valiosa, pois demonstra a continuidade do tratamento e a evolução da doença ao longo do tempo.16
  • Exames clínicos e de imagem: Laudos de exames laboratoriais, biópsias, tomografias, ressonâncias magnéticas, entre outros, que fornecem evidências objetivas da enfermidade.14
  • Outros documentos oficiais: Em alguns casos, até mesmo laudos emitidos para outras finalidades, como a obtenção de isenções para a compra de veículos (DETRAN), podem ser utilizados como elementos de convicção.24

O critério decisivo é que o acervo documental, analisado em conjunto, seja coeso, consistente e não deixe margem para dúvidas razoáveis sobre a existência e a gravidade da doença, permitindo ao juiz formar sua convicção de maneira segura.14 A apresentação de dois laudos médicos distintos e concordantes, como no cenário proposto na consulta, fortalece imensamente a prova, conferindo-lhe a robustez necessária para dispensar a produção de novas perícias.

Seção 4: Teses Complementares Essenciais das Cortes Superiores

A jurisprudência dos tribunais superiores construiu um arcabouço protetivo ao contribuinte que vai além da dispensa do laudo oficial. Três outras teses são fundamentais para compreender a amplitude do direito à isenção e devem ser analisadas em conjunto com a Súmula 598.

4.1. A Irrelevância da Contemporaneidade dos Sintomas: O Alcance e o Impacto da Súmula 627 (STJ)

Em outra importante definição, o STJ editou a Súmula 627, estabelecendo que:

“O contribuinte faz jus à concessão ou à manutenção da isenção do Imposto de Renda, não se lhe exigindo a demonstração da contemporaneidade dos sintomas da doença nem da recidiva da enfermidade.” 18

A lógica por trás deste enunciado é a de que a finalidade da isenção é aliviar os encargos financeiros decorrentes da doença, que persistem mesmo em períodos de remissão.27 Muitas das enfermidades listadas, como a neoplasia maligna, exigem acompanhamento médico constante, exames periódicos e o uso contínuo de medicamentos, além de conviverem com o risco permanente de recidiva.14 Portanto, a ausência de sintomas no momento de uma perícia não significa a cura da doença nem o fim dos seus ônus financeiros. Essa súmula protege o contribuinte contra a revogação indevida do benefício por parte da administração fiscal com base em laudos que atestam a “ausência de sinais da doença”.1

4.2. O Termo Inicial da Isenção: A Primazia do Diagnóstico Inicial

A jurisprudência também é pacífica ao definir que o termo inicial da isenção de Imposto de Renda corresponde à data da comprovação da doença mediante diagnóstico médico, e não à data do requerimento administrativo ou da emissão do laudo oficial.5 Este entendimento é de extrema relevância prática, pois fundamenta os pedidos de restituição dos valores indevidamente pagos a título de imposto de renda (repetição de indébito) desde a data em que a doença foi diagnosticada.20 O laudo médico particular, nesse contexto, assume um papel ainda mais crucial, pois é frequentemente o primeiro documento a atestar formalmente a existência da moléstia.

4.3. Garantia de Acesso à Justiça: A Dispensa de Prévio Requerimento Administrativo (STF Tema 1.373)

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1525407, com repercussão geral reconhecida (Tema 1.373), firmou a tese de que não se exige prévio requerimento administrativo para o ajuizamento de ação que busca o reconhecimento da isenção de imposto de renda por doença grave.30

O STF distinguiu a matéria tributária das demandas previdenciárias, nas quais o prévio requerimento é, em geral, necessário para caracterizar o interesse de agir. Para as questões de isenção de IR, o direito de ação do contribuinte não está condicionado ao esgotamento da via administrativa.20 Essa decisão remove mais uma barreira processual, permitindo que o cidadão busque diretamente o Poder Judiciário para ter seu direito reconhecido, sem a necessidade de passar por um processo administrativo que, muitas vezes, se mostra infrutífero.

Em conjunto, essas teses formam um sistema coeso e robusto. O contribuinte pode ir diretamente à Justiça (Tema 1.373 do STF), provar seu direito com seus próprios documentos médicos (Súmula 598 do STJ), ter a isenção reconhecida retroativamente à data do diagnóstico e manter o benefício mesmo que a doença entre em remissão (Súmula 627 do STJ).

Seção 5: Aplicação na Prática: Análise de Decisões dos Tribunais Regionais Federais (TRFs) e Tribunais Estaduais

A aplicação das súmulas do STJ pelos tribunais de segunda instância revela como a teoria se materializa em decisões concretas, mas também expõe nuances importantes que o profissional deve conhecer.

5.1. Estudos de Caso: Como os Tribunais Inferiores Aplicam a Súmula 598

Os Tribunais Regionais Federais e os Tribunais de Justiça estaduais aplicam consistentemente a Súmula 598 para fundamentar suas decisões. Em um caso julgado pela 8ª Turma do TRF da 1ª Região, o tribunal deu provimento a um recurso de servidor aposentado, afastando a necessidade de perícia oficial e baseando-se nos documentos particulares para conceder a isenção e determinar a restituição dos valores pagos nos últimos cinco anos.20 De forma similar, o TRF da 3ª Região já decidiu que laudos particulares são suficientes para comprovar a data do diagnóstico, prevalecendo sobre a data de um laudo oficial posterior para fins de fixação do termo inicial do benefício.23 O TRF da 4ª Região também reforça que a comprovação da doença pode ocorrer por meio de “vários documentos (exames e laudos médicos)” apresentados pelo autor, sem a necessidade de perícia oficial.14

5.2. A Prova da “Gravidade”: A Distinção Crítica entre Diagnóstico e Classificação Legal

Uma nuance crucial que emerge da análise dos julgados é que os laudos particulares devem fazer mais do que apenas diagnosticar a doença; eles precisam fornecer elementos que demonstrem a sua gravidade, conforme exigido pela lei. Um exemplo paradigmático vem de uma decisão do TRF da 5ª Região, que negou a isenção a um contribuinte portador de cardiopatia. Embora os laudos confirmassem a existência da doença cardíaca, a perícia e os documentos não foram capazes de demonstrar que a condição se enquadrava nos critérios médicos de “cardiopatia grave”.32

Isso demonstra que a suficiência da prova particular não é automática. O conteúdo dos laudos é minuciosamente analisado. É imperativo que os relatórios médicos sejam detalhados, especificando o estágio da doença, as limitações impostas ao paciente e os fatores que a classificam como grave, de acordo com os parâmetros da medicina especializada e da legislação.

5.3. Sinais de Alerta: Cenários em que os Tribunais Podem Ainda Exigir uma Perícia Judicial

A dispensa da perícia não é um direito absoluto. Os tribunais podem, e irão, determinar a realização de uma perícia judicial em certas circunstâncias. Os principais “sinais de alerta” são:

  1. Prova Inconclusiva ou Ambígua: Se os documentos apresentados pelo autor forem vagos, contraditórios ou insuficientes para formar um juízo de certeza no magistrado, a dilação probatória, por meio de perícia, será necessária.16
  2. Conflito Probatório Relevante: Quando há uma divergência direta e fundamentada entre o laudo particular apresentado pelo contribuinte e um laudo oficial (seja administrativo ou de outra fonte), o juiz pode determinar a realização de uma perícia judicial para dirimir a controvérsia e obter um parecer de um perito de sua confiança.16

Portanto, embora a Súmula 598 tenha removido o obstáculo formal do laudo oficial, ela transferiu o ônus da persuasão para o contribuinte. A qualidade, a clareza e a robustez do conjunto probatório inicial são determinantes para que a perícia judicial seja, de fato, dispensada.

Seção 6: Síntese e Recomendações Estratégicas para o Profissional Informado

6.1. Resumo dos Principais Precedentes Jurisprudenciais

A análise da jurisprudência revela um conjunto de teses consolidadas que fortalecem a posição do contribuinte portador de doença grave. A tabela a seguir sintetiza os entendimentos mais relevantes.

Tabela 1: Teses Jurisprudenciais Chave sobre a Isenção de Imposto de Renda por Doença Grave

Tese/Súmula/TemaTribunal EmissorConclusão CentralFontes Relevantes
Súmula 598STJDispensa a necessidade de laudo médico oficial para o reconhecimento judicial da isenção, desde que outras provas sejam suficientes.1
Súmula 627STJO direito à isenção é mantido independentemente da ausência de sintomas contemporâneos ou de recidiva da doença.1
Tema Repetitivo 250STJO rol de doenças da Lei nº 7.713/1988 é taxativo e não pode ser interpretado de forma extensiva.1
Tema Repetitivo 1.037STJA isenção aplica-se apenas a rendimentos de aposentadoria/pensão, não abrangendo salários de trabalhadores na ativa.1
Tema de Repercussão Geral 1.373STFNão é necessário prévio requerimento administrativo para ajuizar ação buscando o reconhecimento da isenção.30

6.2. Construindo um Dossiê Probatório Robusto: Um Checklist Prático

Com base na análise jurisprudencial, a estratégia para obter o reconhecimento judicial da isenção sem a necessidade de perícia deve focar na construção de um conjunto de provas irrefutável. Recomenda-se o seguinte checklist:

  • Múltiplos Laudos: Obter laudos de, no mínimo, dois médicos diferentes, se possível. A concordância entre os pareceres de especialistas distintos confere forte corroboração à prova.
  • Detalhe e Especificidade: Assegurar que os laudos contenham:
  • O nome completo da doença e seu código na Classificação Internacional de Doenças (CID).
  • A data precisa do diagnóstico inicial.
  • Uma descrição clara e fundamentada dos elementos que classificam a doença como “grave”, “irreversível”, “incapacitante” ou que a enquadrem em uma das categorias da Lei nº 7.713/1988.
  • Documentação de Suporte: Anexar aos laudos os exames que os fundamentam, como resultados laboratoriais, relatórios de biópsia, exames de imagem (com os respectivos laudos) e sumários de procedimentos cirúrgicos.
  • Histórico Médico: Juntar o prontuário médico ou um relatório detalhado do histórico de tratamento para demonstrar a cronicidade da condição e os custos contínuos associados ao seu manejo.
  • Clareza para o Julgador: Orientar o médico assistente a redigir o laudo de forma clara e objetiva, para que um leigo em medicina (o juiz) possa compreender a seriedade e o impacto da enfermidade na vida do paciente.

6.3. Análise Conclusiva: O Estado Atual e a Perspectiva Futura

A jurisprudência brasileira, de forma inequívoca, estabeleceu que, para fins de concessão judicial da isenção de Imposto de Renda, a prova material da doença prevalece sobre a formalidade procedimental. A exigência de um laudo oficial foi relegada à sua função original: um critério para a análise administrativa, sem poder vinculante sobre a esfera judicial.

No cenário específico da consulta — a posse de dois laudos médicos distintos que atestam a mesma enfermidade —, o terreno jurisprudencial é excepcionalmente sólido. A apresentação de tal prova, robusta e corroborada, torna o pedido de realização de uma nova perícia uma medida que pode ser argumentada como redundante, custosa e meramente protelatória. A estratégia jurídica mais eficaz consiste em apresentar o acervo documental como prova completa e suficiente, invocando diretamente a Súmula 598 do STJ e os precedentes que a sustentam para pleitear o julgamento antecipado da lide, argumentando que a produção de novas provas é desnecessária para o deslinde da causa e apenas retardaria o reconhecimento de um direito evidente.

Referências citadas

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  21. laudo pericial judicial, a autora declarou ter sofrido síndrome coronariana aguda há seis anos. Internada em Unidade de Terapia Intensiva à época e – TRF3, acessado em outubro 2, 2025, https://web.trf3.jus.br/acordaos/Acordao/BuscarDocumentoPje/303492899
  22. Servidor público aposentado – isenção de imposto de renda …, acessado em outubro 2, 2025, https://www.tjdft.jus.br/consultas/jurisprudencia/jurisprudencia-em-temas/jurisprudencia-administrativa-interna/vantagens%20pecuniarias/servidor-publico-aposentado-2013-isencao-de-imposto-de-renda-cardiopatia-grave-comprovada-por-laudos-medicos-particulares-2013-termo-inicial-diagnostico-medico
  23. web.trf3.jus.br, acessado em outubro 2, 2025, https://web.trf3.jus.br/acordaos/Acordao/BuscarDocumentoPje/175032323
  24. TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPOSTO DE RENDA. ISENÇÃO. PROVENTOS DE APOSENTADORIA. CARDIOPATIA GRAVE. ART. 6º, XIV, DA LEI 7. 713, DE 1988. PRÉVIO R… – Previdenciarista, acessado em outubro 2, 2025, https://previdenciarista.com/trf4/tributario-agravo-de-instrumento-imposto-de-renda-isencao-proventos-de-aposentadoria-cardiopatia-grave-da-lei-previo-requerimento-administrativo-desnecessidade-2021-10-18-5033153-52-2021-4-04-0000-40002835802/
  25. PROCESSO CIVIL. TRIBUTÁRIO. ISENÇÃO. DE IMPOSTO DE RENDA. CONTRIBUINTE PORTADOR DE MOLÉSTIA PROFISSIONAL. RECURSO NÃO PROVIDO. – Tramitação Inteligente, acessado em outubro 2, 2025, https://planilha.tramitacaointeligente.com.br/blog/jurisprudencia/50065627020224036103-processo-civil-tributario-isencao-de-imposto-de-renda-contribuinte-portador-de-molestia-profissional-recurso-nao-provido
  26. Nova Súmula do STJ: A isenção do Imposto de Renda independe da demonstração da contemporaneidade dos sintomas ou da recidiva da doença – Schiefler Advocacia, acessado em outubro 2, 2025, https://schiefler.adv.br/nova-sumula-do-stj-a-isencao-do-imposto-de-renda-independe-da-demonstracao-da-contemporaneidade-dos-sintomas-ou-da-recidiva-da-doenca/
  27. Justiça Federal mantém isenção do imposto de renda a pensionista que teve câncer – TRF3, acessado em outubro 2, 2025, https://web.trf3.jus.br/noticias-sjsp/Noticiar/ExibirNoticia/1373-justica-federal-mantem-isencao-do-imposto-de-renda
  28. Súmula n. 627 – STJ, acessado em outubro 2, 2025, https://www.stj.jus.br/publicacaoinstitucional/index.php/sumstj/article/download/5056/5183
  29. RELATÓRIO O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL IVAN LIRA DE CARVALHO (Relator Convocado) – TRF5, acessado em outubro 2, 2025, https://www4.trf5.jus.br/data/2015/03/PJE/08014662220134058000_20150329_43450_40500002006351.pdf
  30. PRECEDENTES Ação judicial para isenção de IR por doença grave não precisa de pedido administrativo anterior (Tema 1373)* | – TJRJ, acessado em outubro 2, 2025, https://portaltj.tjrj.jus.br/documents/d/portal-conhecimento/boletimsedif21
  31. STF dispensa requerimento para isenção de Imposto de Renda por doença grave – JOTA, acessado em outubro 2, 2025, https://www.jota.info/tributos/stf-dispensa-requerimento-para-isencao-de-imposto-de-renda-por-doenca-grave
  32. 1. Trata-se de apelação interposta por RODRIGO DE … – TRF5, acessado em outubro 2, 2025, https://www4.trf5.jus.br/data/2015/10/PJE/08013109720144058000_20151027_65347_40500003243481.pdf